O Coração de Vidro

 

O Coração de Vidro

Um conto de fadas moderno

Autor: Rapha Reis

Edição e Diagramação: Rapha Reis

Gênero: Conto de Fadas | Fantasia | Literatura Brasileira





 

Dedicatória


Para todos aqueles que sentem demais, que carregam o coração como cristal: frágil, mas brilhante. Que este conto seja um espelho, um abrigo, e um sopro de esperança.

Para você, que carrega o coração como quem segura uma estrela quebradiça entre as mãos.

Este livro é para os que já sentiram demais, mesmo quando tudo dizia que sentir era fraqueza. Para os que já choraram sozinhos em silêncio, com medo de que a própria dor fosse grande demais para o mundo ao redor. Para os que vivem com a alma à flor da pele, tropeçando nas emoções como quem caminha descalço sobre cacos de lembranças — e mesmo assim seguem em frente.

Escrevi esta história com as mãos cheias de vidro. Palavras lapidadas com cuidado, como se fossem sopros mágicos capazes de alcançar o fundo de alguém. E se você está lendo estas linhas, é porque, de algum modo, sua alma reconheceu esse chamado.

Você pode não ter um coração feito de cristal como Elara. Talvez o seu seja feito de cicatrizes, de sobrevivência, de silêncios engolidos. Talvez tenha sido quebrado e colado de novo, com amor ou com raiva. Mas ele ainda pulsa. E isso, só isso, já é mágica suficiente.

Dedico este conto aos que ainda acreditam que existe algo de encantado na vida, mesmo quando tudo parece sombrio. Aos que esperam, com paciência ou desespero, por algo que ainda não tem nome. Aos que olham o céu e perguntam “e se?”, mesmo depois de tudo.

Esta história é também para quem já foi chamado de sensível como se fosse insulto. Para quem precisou construir fortalezas invisíveis em volta do peito. Para quem sente demais, ama demais, se entrega demais — e, às vezes, se despedaça por isso. Você é como Elara: forte na fragilidade, belo na vulnerabilidade.

É para os que buscam o amor verdadeiro, mas sabem que ele começa dentro de si. Para quem entende que coragem não é ausência de medo, mas a decisão de seguir adiante mesmo tremendo por dentro. Para quem já escolheu não o caminho mais fácil, mas o mais verdadeiro.

É para os que já se perguntaram se vale a pena continuar — e descobriram, dia após dia, que sim, vale. Porque mesmo que tudo esteja escuro, ainda há uma centelha acesa dentro do peito. Uma chama pequena, mas teimosa. E, às vezes, essa chama é tudo o que precisamos para atravessar a noite.

Se eu pudesse olhar nos olhos de cada leitor deste livro, eu diria: seu coração é raro. Não o esconda. Não o endureça. Deixe-o brilhar, mesmo que trincado. Mesmo que arranhado. Porque, como Elara descobriu, há beleza até nos fragmentos.

Este livro é para você. Porque você sente. E sentir... é um dom.

Com carinho e verdade,


Rapha Reis

 


 

Agradecimentos

Escrever é um ato solitário, mas nunca acontece sozinho. Por trás de cada palavra há vozes, silêncios, memórias e mãos invisíveis que sustentam o escritor. Por isso, este conto não é só meu — é também de quem, de alguma forma, fez parte dele.

Agradeço à minha infância, que me ensinou que o mundo pode ser mágico mesmo quando não parece. Aos livros que me criaram, às histórias que me abrigaram quando a realidade doía demais. Aos contos de fadas que me mostraram que o impossível só existe até que alguém o faça acontecer.

Obrigado aos corações sensíveis que cruzaram o meu caminho. A cada pessoa que me olhou nos olhos e viu mais do que aparência. Vocês me ensinaram que ser vulnerável é um ato de coragem. Este conto nasceu das nossas conversas, dos nossos silêncios, das nossas feridas partilhadas.

Agradeço também a quem duvidou, a quem disse que sentir demais era fraqueza. Foi tentando provar o contrário que aprendi o verdadeiro valor da sensibilidade. Vocês foram parte do fogo que lapidou este coração em palavras.

Obrigado à vida, com todas as suas tempestades e auroras. Foi vivendo intensamente que encontrei cada linha deste conto.

E, por fim, obrigado a você, leitor. Por dedicar seu tempo, sua atenção, seu coração. Ao ler esta história, você a torna real. E isso, para mim, é o maior presente que um escritor pode receber.

Com gratidão profunda,
Rapha Reis

 

Sumário:

 

1. Sob o Céu de Lirael

2. A Tempestade que se Aproxima

3. Caminhos de Vidro e Sombra

4. A escolha Diante do Espelho

5. Quando o Tempo Respira

6. Sobre o Autor

7. Palavras para Quem Sente Demais

  

1 Sob o Céu de Lirael

Era uma vez, em um reino perdido entre a névoa e as constelações, chamado Lirael, onde o tempo corria em compassos diferentes e as árvores sussurravam segredos às estrelas. Ali, nasceu uma princesa com um dom e uma maldição: um coração de vidro.

Seu nome era Elara, filha do Rei Thalion — senhor das quatro luas — e da Rainha Maelis, descendente direta das bruxas de luz. Desde o instante em que veio ao mundo, sua presença parecia dobrar a realidade ao redor. Os sábios do reino, com olhos velados e palavras enigmáticas, disseram que aquele coração não era feito de carne, mas de um cristal mágico criado por uma poderosa feiticeira chamada Anwyn. A magia era antiga, profunda, e ligada à própria essência do tempo.

Por que criar um coração assim? Para protegê-la de um destino sombrio, Anwyn disse. Mas toda proteção tem seu preço. O coração de vidro era inviolável, mas frágil. Nenhuma lâmina poderia atravessá-lo, mas a dor, o amor, o medo e a alegria podiam trincá-lo por dentro — e, se quebrado, nem o tempo poderia restaurá-lo.

Por isso, Elara cresceu cercada de silêncios. Guardas mágicos vigiavam seus passos, e as criadas não lhe contavam histórias de amor, apenas rezas. As festas do castelo ocorriam longe de sua torre, onde ela observava tudo pelas frestas da janela. Seus dias eram feitos de leitura, meditação e ensinamentos sobre como conter as emoções.

Mas havia em Elara uma força diferente. Um brilho contido, um espírito que, mesmo contido, pulsava. Nos livros, encontrava os mundos que não podia viver. Nos sonhos, conversava com aves, com ventos, com um menino de olhos dourados que lhe chamava de “chama de esperança”.

O povo a via como lenda. Uns a chamavam de milagre. Outros, de presságio.

E assim, sob o véu da profecia e da proteção, Elara cresceu — bela como o luar sobre o lago da Reflexão, e solitária como um farol em meio à tempestade.


 

2. A Tempestade que Se Aproxima

Na véspera de seu décimo oitavo aniversário, um fenômeno raro manchou o céu de Lirael: uma chuva escarlate caiu sobre as torres do castelo, tingindo os vitrais com sangue celestial. O povo se ajoelhou em temor. Os magos consultaram os astros, e o rei fechou os portões.

E então, das Terras Esquecidas, surgiram os Sombras de Kael — uma ordem oculta de feiticeiros renegados, vestindo mantos negros e rostos cobertos por máscaras de osso. Eram liderados por Kael Morren, antigo aliado do rei e agora traidor do equilíbrio mágico. Ele buscava o Espelho das Eras, um artefato ancestral capaz de reescrever a linha do tempo — mas apenas se ativado com um coração de luz pura.

Um coração como o de Elara.

Enquanto os guardiões reforçavam encantamentos e selos ao redor da torre da princesa, ela sonhava cada vez mais intensamente com o jovem de olhos dourados. Ele lhe sorria, mas havia dor em seu rosto. Na noite mais silenciosa do inverno, ele apareceu de verdade: Rowan, um cavaleiro errante vindo das Terras Quebradas.

Carregava no braço tatuagens vivas — runas que se moviam como rio sob a pele. Dizia ter sido guiado até ela pelos ventos do destino e por ordens da própria Anwyn, que ainda vivia nas sombras do mundo.

— “Seu coração é uma prisão, princesa. Mas também é a chave. O tempo está se quebrando, e apenas você pode decidir se ele será reconstruído... ou despedaçado para sempre.”

Elara, diante da decisão mais difícil de sua vida, hesitou. Mas o chamado da liberdade — e a verdade escondida em seus sonhos — falavam mais alto do que o medo.


 

3. Caminhos de Vidro e Sombra

Na calada da noite, vestida com um manto de sombras costurado com fios de luar, Elara escapou pela Galeria dos Sussurros, guiada por Rowan através de túneis esquecidos onde espíritos contavam lendas aos que ousavam ouvir.

Longe dos muros, o mundo era um milagre doloroso. O vento era forte e intenso. As folhas das florestas cantavam nomes há muito tempo apagados da história. E Elara, pela primeira vez, sentiu o peso — e a leveza — de ser real.

Passaram por vilarejos onde as crianças apontavam e chamavam seu nome em sussurros. Dormiram sob árvores que protegiam sonhos. Em cada nova paisagem, uma versão de Elara morria e outra renascia.

Rowan revelou ser um Guardião da Trilha Branca, um dos últimos. Seu juramento era proteger a princesa não com espadas, mas com lembranças. Contou-lhe sobre a Árvore do Ventre da Noite, que guardava memórias do mundo. Lá, Elara poderia descobrir a origem de sua maldição — e a verdade sobre Kael.

Mas a jornada era perigosa. Na Floresta de Silencium, enfrentaram o Espelho Vazio, um ser feito de névoa que mostrava a pior versão de quem o encara. Elara viu-se como uma tirana cruel. Rowan viu-se traidor. Para vencer, foi preciso coragem — e amor próprio.

No Desfiladeiro das Almas, criaturas invisíveis tentaram consumir as emoções de Elara. E foi o toque da mão de Rowan que a trouxe de volta. Um gesto simples, mas mais poderoso que qualquer feitiço.

O vínculo entre eles crescia. Havia silêncio onde palavras não cabiam, e respeito onde o medo ameaçava surgir. Mas o coração de Elara trincava. E ela sabia: uma emoção muito forte poderia ser fatal.

Ao chegarem à Árvore, a verdade explodiu como aurora.

Kael era seu tio, irmão da Rainha Maelis. Sua amada, irmã gêmea de Maelis, morrera ao dar à luz uma criança proibida. Kael queria voltar no tempo para salvá-la. E o coração de Elara, forjado com a alma dessa irmã, era a única chave.

Agora, Elara sabia: ou quebraria o ciclo, ou o mundo seria reescrito.


 

4. A Escolha Diante do Espelho

A noite caiu como uma cortina de tinta sobre as Montanhas do Último Olhar, e o ar parecia carregado de lembranças não vividas. O vento uivava entre as rochas, como se a própria terra sussurrasse avisos antigos a quem ousasse atravessar aquele território.

No coração da montanha, oculto por runas apagadas e promessas esquecidas, repousava o Espelho das Eras — um portal para o impossível.

Rowan caminhava ao lado de Elara, o rosto marcado por cicatrizes visíveis e invisíveis. Seus olhos dourados estavam escurecidos pela antecipação. Em seu braço, as runas ardiam como brasa viva. Ele sentia: estavam perto. Muito perto.

— “Você ainda pode voltar, Elara,” ele disse, com a voz rouca de emoção contida. “Pode escolher a vida. Escolher o agora.”

Ela parou. Observou o céu, onde as estrelas pareciam hesitar.

— “Mas se eu escolher o agora... o passado nos encontrará de qualquer forma. E talvez destrua todos.”

Ela segurava dentro de si o peso de dois mundos. O coração pulsava como uma lâmina fina: vivo, mas vulnerável.

Dentro da caverna, o Espelho das Eras pulsava. Não era apenas um objeto — era uma presença. Uma ferida no tecido do tempo, refletindo possibilidades. Kael Morren estava lá, envolto em um manto de sombras vivas. Seu rosto escondido por uma máscara de vidro trincado. Mas seus olhos — os olhos de família — brilhavam com algo mais antigo que raiva: luto.

— “Você veio,” ele disse. “A centelha que falta. A peça que me negaram. O eco da mulher que perdi.”

Elara sentiu a dor em sua voz. Não era fingida. Era real.

— “Você quer o tempo de volta. Mas a que custo?”

— “Tudo. Qualquer coisa. Eu daria o mundo para ouvi-la rir de novo.”

Rowan sacou a espada, marcada com a runa do sacrifício.

— “Você quer reescrever a dor. Mas há dores que nos moldam.”

Kael lançou uma rajada de energia que jogou Rowan contra as paredes da caverna. Elara correu até ele, os olhos cheios de desespero. Mas dentro dela, algo começava a se transformar. Uma aceitação.

Ela levantou-se. Do peito, emergiu uma luz — o Coração de Vidro — flutuando entre as mãos como uma estrela viva. Dentro dele, memórias: sua infância, o primeiro toque do vento, o olhar de Rowan, o canto de sua mãe.

Ela se virou para Kael, com o olhar firme:

— “Você busca restaurar o passado, mas o passado nos ensinou quem somos. A dor nos deu profundidade. E o amor... nos deu escolha.”

Kael gritou. Um grito que reverberou pelos séculos. Mas foi interrompido pelo som cristalino da decisão de Elara.

Ela atirou o coração contra o Espelho.

Por um momento, o mundo parou.

Luz e sombra se entrelaçaram. O tempo se dobrou sobre si mesmo. O Espelho das Eras se partiu em mil fragmentos, cada um refletindo um futuro que jamais existiria.

Kael desapareceu. Tragado por sua própria dor, por seus próprios ecos.

O coração sumiu. Mas no peito de Elara... uma nova batida. Quente. Imperfeita. Humana.

Rowan abriu os olhos a tempo de segurá-la antes que ela desfalecesse.

— “Você vive...”

— “Não como antes,” ela sussurrou. “Mas finalmente... de verdade.”

 


 

5. A Princesa Sem Trono

O silêncio após a queda do Espelho durou dias. Era como se o mundo precisasse reaprender a respirar.

As Sombras de Kael evaporaram como fumaça ao vento. O céu de Lirael voltou a ter cor. A própria terra floresceu de novo, como se agradecesse a Elara por sua coragem.

Mas ela não voltou ao castelo.

Recusou o trono. Recusou o ouro. E por isso, foi coroada com algo mais poderoso: respeito.

O povo contava sua história como se fosse uma oração. As mães embalavam os filhos com versos sobre a princesa que trocou a eternidade pela verdade.

Rowan permaneceu ao seu lado. Não como cavaleiro, nem como servo. Mas como companheiro. Juntos, reconstruíram os Templos da Trilha Branca, ensinando a nova geração que magia não é poder, mas memória. Que o tempo não é inimigo, mas espelho.

Elara passou a viver entre as aldeias. Costurava contos com crianças. Plantava jardins onde antes havia campos de batalha. E nas noites de Lua Azul, sentava-se à beira do lago onde um dia se vira como monstro.

Ali, olhava o próprio reflexo e murmurava:

— “Se eu tivesse escolhido o espelho... tudo seria diferente.”

Rowan, ao seu lado, sorria:

— “Mas você não seria você. E eu nunca teria aprendido o que é amar de verdade.”

As estrelas naquele céu brilharam como fragmentos de um coração antigo.

E dizem que, até hoje, se uma criança nascer sob uma Lua Azul, ela ouvirá, em seu primeiro choro, a voz da princesa cantando suavemente.

Uma canção de coragem. De sacrifício. De amor.

Fim.

 


 

Sobre o Autor - O Contador da Lenda

Rapha Reis é escritor de almas e artesão de palavras. Sua literatura nasce do encontro entre a fantasia e a profundidade humana — onde mundos mágicos servem como espelhos das dores, dos sonhos e das esperanças que todos carregamos no peito.

Desde cedo encontrou nos livros um refúgio e, mais tarde, uma ponte. Leitor voraz de contos de fadas, mitos, romances e poesia, Rapha entendeu que a ficção não é uma fuga da realidade, mas uma forma legítima de compreendê-la. Em suas histórias, há sempre algo encantado — não apenas por magias e reinos distantes, mas pela capacidade de tocar sentimentos reais, com delicadeza e intensidade.

Rapha escreve como quem estende a mão. Cada conto é uma conversa silenciosa com o leitor, um convite para olhar para dentro com ternura, coragem e sensibilidade. Seus personagens são espelhos: frágeis, fortes, imperfeitos — como todos nós.

"O Coração de Vidro" é uma de suas obras mais simbólicas. Não apenas por trazer uma protagonista mágica, mas por representar o valor da vulnerabilidade em um mundo que muitas vezes exige máscaras. Elara, a princesa que precisou quebrar-se para tornar-se inteira, é também um reflexo do próprio autor e de tantos leitores que carregam histórias dentro do peito.

Além de escrever contos, Rapha é apaixonado por café, por silêncios cheios de sentido e por noites estreladas. Acredita que a arte cura, e que toda boa história é, no fundo, um ato de amor.

Seus leitores o encontram não só nas páginas, mas nos intervalos entre elas — onde a verdade mora, e a ficção floresce.

 

 


 

 

Mensagem Final ao Leitor - Palavras para Quem Sente Demais

Se você chegou até aqui, eu quero lhe agradecer com o coração inteiro — ou com o que resta dele, depois de escrever esta história.

Você acabou de caminhar por um conto de fadas, mas não daqueles que apenas nos distraem: este foi feito para tocar. Para lembrar que somos feitos de luz, mas também de rachaduras. E que até os corações mais frágeis podem se tornar os mais poderosos quando escolhem continuar batendo, mesmo depois das dores.

Este conto é fantasia, sim. Mas também é verdade. Porque em algum lugar, você é Elara. E talvez também seja Kael. Em certos dias, você é Rowan. Em outros, é a floresta silenciosa ou a lágrima presa na garganta. E isso é o mais bonito da literatura: ela não fala apenas sobre personagens. Ela fala sobre nós.

Se em algum momento você se viu refletido nas páginas — se sentiu sua própria história ecoar nas palavras —, saiba que isso não foi por acaso. Foi por conexão. Por afinidade. Por coragem de sentir.

Que você leve daqui não só uma história, mas um lembrete: você pode viver com um coração de vidro — ou de carne — e ainda assim ser inteiro. E que, mesmo diante do espelho mais cruel, sua escolha terá poder.

Precisamos sempre lembrar da beleza de sentir. E se um dia se esquecer, volte. Esta história é sua também.

Com carinho,
Rapha Reis

 

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